Presos fazem Enem em busca de recomeço; 62 da Bahia foram aprovados em 2014
Amanda Palma
( ) - CORREIRO 24H
Há jurisprudência para a liberação de presos em regime fechado para fazer faculdade
Há 14 anos, Márcio Adriano Serapião dos Santos, 32 anos, vê os dias passando dentro da Penitenciária Lemos Brito (PLB), no Complexo da Mata Escura. Quando ele chegou ao presídio, já tinha o ensino médio completo, mas resolveu continuar investindo nos estudos para ter um futuro bem diferente do que o levou para o regime fechado. Condenado a 28 anos por cinco homicídios, Márcio já decidiu por onde vai mudar de vida quando deixar a cadeia, provavelmente, em 2029. Há dois anos, ele faz o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e já se prepara para participar novamente, este ano. |
Detentos assistem aula na Lemos Brito. O local conta com12 salas de aula e a carga horária é de 4h por dia
(Foto: Mateus Pereira/GOVBA) |
E ele não é o único que tem planos para graduar-se
ou, pelo menos, concluir o ensino médio durante ou após o fim do período
de reclusão nas 22 unidades prisionais do estado. No ano passado, 636
presos fizeram o Enem na Bahia, 15% a mais do total de participantes
inscritos em 2013, que foi 551.
Em 2014, 62 internos foram aprovados para faculdades
por meio do Enem na Bahia - dos 36 inscritos no exame que estão na PLB,
quatro tiveram êxito na prova, entre deles, Márcio, que conseguiu a
aprovação pela segunda vez. Apesar disso, ele ainda não pode fazer o
curso, pois não conseguiu autorização para estudar fora das grades. “Eu
já mudei de vida, mas estou buscando o melhor para mim. Já passei duas
vezes no Enem, e vou fazer de novo. Enquanto eu puder, vou participar”,
diz Márcio.
Segundo o advogado criminalista Luiz Coutinho, há
jurisprudência para a liberação de presos em regime fechado para fazer
faculdade. “Isso depende de alguns fatores. Se é condenado por crime
hediondo, se já teve benefício de saída temporária, se tiver zerado de
problemas... A partir da construção desses elementos, ele pode requerer o
benefício e pode chegar a uma determinação”, explicou.
Recomeço
"Não quero que elas vejam que o futuro do pai delas é morto no meio da rua", diz Márcio (Foto: GOVBA) |
Segundo Márcio Adriano, seus planos envolvem um
futuro melhor para as filhas, que têm 4 e 6 anos. “Não quero que elas
vejam que o futuro do pai delas é morto no meio da rua”, diz.Em todo o
país, 38,1 mil participaram do Enem PPL, como é chamado o exame
exclusivo para pessoas privadas de liberdade.
E o número de participantes vem crescendo nos
últimos anos. Em 2013, 30 mil internos e presos participaram da prova,
28% a mais que o número de inscritos em 2012. Nesta edição, estão
inscritos 23.665 pessoas privadas de liberdade. Em 2011, foram 14,1 mil,
e em 2010, 14,4 mil. Natural de São Francisco do Conde, Jackson Bispo
de Jesus, 31, retomou os estudos no início desse ano e também vai
investir no exame para mudar de vida após sair da prisão. Condenado a 10
anos por tráfico de drogas e porte ilegal de arma, já cumpriu 1 ano e
seis meses da pena.
“Resolvi começar a estudar para me desenvolver e
alcançar um futuro. A gente começa a fazer as coisas erradas porque elas
vêm mais fácil, só que depois não começa. Só com estudo para mudar”,
conta o presidiário. Condenado a 10 anos em regime fechado por roubo, o
detento Davi Oliveira, 36, quer cursar Administração. Já tentou ano
passado, sem êxito. Agora, promete se dedicar mais. “Eu posso ter a pena
reduzida e ficar em regime semiaberto. Assim, poderei ir para a
faculdade”, planeja. PreparaçãoAs provas são aplicadas em período
diferente do tradicional Enem, nas unidades prisionais, normalmente um
mês após as provas serem aplicadas para candidatos comuns. Dentro dos
presídios, os detentos têm aulas de segunda a sexta-feira, por quatro
horas, que também têm foco no exame, como explica a coordenadora de
atividades laborativas e educacionais da PLB, Tânia Lúcia dos Santos.
“Nosso trabalho tem um comprometimento com o Enem, que dá oportunidade
para que o detento tenha o certificado do ensino médio, possa entrar na
faculdade ou tente participar do Sisutec”, explica.
Os detentos têm aulas de todas as disciplinas e,
próximo ao exame, contam com aulões especiais com foco na prova. “A
gente só está aguardando a confirmação para as inscrições e realização
do concurso para que possa adequar a aula. É tipo um alinhamento de
revisão de conteúdo. Cada unidade penitenciária faz o seu aulão, dentro
dos espaços restritos”, detalha o diretor de integração social da
Secretaria da Administração Penitenciária (Seap), Hari Alexandre Brust
Filho. Segundo ele, “muita gente” quer fazer a prova. “A quantidade de
pessoas é maior e o apelo é um pouco maior”, ilustra.
O período de inscrições também é diferente, e ainda não foi aberto para a edição deste ano. Elas podem ser feitas na página específica para pessoas privadas de liberdade, no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que organiza e aplica o Enem.
O período de inscrições também é diferente, e ainda não foi aberto para a edição deste ano. Elas podem ser feitas na página específica para pessoas privadas de liberdade, no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que organiza e aplica o Enem.
Detento participa de aula sobre cidadania: governo quer aprimorar Plano Estadual de Educação Prisional (Foto: Mateus Pereira/GOVBA) |
Provas
Além
de fazer as inscrições, os responsáveis pedagógicos de cada instituição
são encarregados pelo encaminhamento dos candidatos ao Sistema de
Seleção Unificada (Sisu) e a outros programas voltados para a educação
superior. A logística de aplicação das provas é a mesma do Enem
tradicional: no primeiro dia, os candidatos fazem as provas de Ciências
Humanas e suas Tecnologias (História, Geografia, Filosofia e Sociologia)
e de Ciências da Natureza e suas Tecnologias (Química, Física e
Biologia), com duração total de 4h30. No segundo dia, as provas são de
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (Língua Portuguesa, Literatura,
Língua Estrangeira, Artes, Educação Física e Tecnologias da Informação e
Comunicação), Redação e Matemática, com duração total de 5h30.
Um em cada quatro detentos voltou a estudar na Lemos Brito
Na
Penitenciária Lemos Brito (PLB), 319 presos (de um total de 1.351)
voltaram a estudar, dentro do projeto de ressocialização do complexo
penitenciário. O número representa 23% dos presos no local - quase um em
cada quatro.
O conteúdo programático aplicado nas unidades é do
projeto de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e os estudantes são
classificados de acordo com o nível de formação que já possuem. Na PLB,
há 12 salas de aula instaladas próximas às celas, onde são
ministradas quatro horas diárias de aulas. A carga horária é definida
para que possibilite ao detento participar de outras atividades.
Agora, o governo do estado vai aprimorar esse
programa, com um novo Plano Estadual de Educação no Sistema Prisional,
que está sendo elaborado. Após a conclusão, o projeto será encaminhado
aos ministérios da Educação (MEC) e da Justiça, para que sejam aprovados
e, posteriormente, aplicados no sistema prisional.
Entre as propostas estão a ampliação em 36% da
oferta de Educação Básica, em níveis fundamental e médio, pelo EJA, e a
melhoria dos espaços físicos para o funcionamento das turmas.
Os certificados de formação são emitidos pelo
Colégio Estadual George Fragoso Modesto, antiga Escola Especial da PLB,
que funciona dentro da unidade prisional. O nome da escola mudou para
que os formados não tivessem nenhum tipo de problema ao ingressar no
mercado de trabalho.
No ano passado, a Bahia foi reconhecida no Prêmio Nacional de Educação do Sistema Prisional, promovido pelo MEC, como o segundo melhor sistema de escolas prisionais do país.
No ano passado, a Bahia foi reconhecida no Prêmio Nacional de Educação do Sistema Prisional, promovido pelo MEC, como o segundo melhor sistema de escolas prisionais do país.
Adolescentes em ressocialização também podem fazer exame
Os
internos que estão em unidades socioeducativas também podem fazer o
Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). No ano passado, 51 internos em
unidades da Bahia fizeram o exame, segundo dados do Inep. Em todo país,
foram 2.601 inscrições de adolescentes.
As inscrições desses menores também são feitas pelos
responsáveis pedagógicos das unidades. E eles se preparam da mesma
forma para fazer o exame, mesmo estando em regime de internação. Em
Salvador, existe um convênio entre a Fundação da Criança e do
Adolescente (Fundac) e a Secretaria estadual da Educação (SEC) para que
os jovens tenham direito às aulas.
Segundo a coordenadora de educação da Gerência de Atendimento Socioeducativo (Gerse), Mercedes Agrícola, foram instalados anexos do Colégio Roberto Santos dentro das Comunidades de Atendimento Socioeducativo (Cases) Masculina e Feminina, para atender os alunos do ensino médio.
Além disso, os adolescentes têm aulas com foco no
Enem, a partir da Defensoria Pública e de professores voluntários do
Colégio Antônio Vieira, que realizam, periodicamente, aulas de reforço
específicas para os internos.
Qualquer pessoa que esteja privada de liberdade pode se inscrever para participar do exame. Basta recorrer à coordenação pedagógica da unidade. As provas do exame são aplicadas nas próprias unidades prisionais, que devem se cadastrar no Inep.
Qualquer pessoa que esteja privada de liberdade pode se inscrever para participar do exame. Basta recorrer à coordenação pedagógica da unidade. As provas do exame são aplicadas nas próprias unidades prisionais, que devem se cadastrar no Inep.