Novas configurações Familiares: A Homoparentalidade em questão
Foto:Google Imagens |
Por: Brunella Carla Rodriguez; Psicóloga clínica - CRP 06.9406-2 Mestranda do Departamento de psicologia clínica da USP e bolsista FAPESP. contato: brunellacarla@gmail.com
Diante da diversidade de modelos familiares da contemporaneidade nos deparamos com a dificuldade de se abstrair um sentido único para a família. Apesar da coexistência de referenciais tradicionais e modernos, nota-se que os modelos que predominam estão, todavia, presos ao modelo tradicional de família heterossexual, monogâmico, hierárquico e com ênfase no biológico. A maior liberdade de valores tem levado a família a estabelecer novos sentidos atribuídos às suas relações, papéis e funções.Foto:Google Imagens |
A família homoparental, que é a situação na qual ao menos um indivíduo homossexual assume a responsabilidade por uma criança, parece ser a que causa mais polêmica e questionamento. O termo homoparentalidade, originalmente francês e criado em 1997 pela APGL- Associação de Pais e Futuros Pais Gays e Lésbicas (Roudinesco, 2003), tem sido alvo de questionamentos por colocar o foco na orientação sexual dos pais ao mesmo tempo em que refere ao cuidado dos filhos. A homoparentalidade pode ser resultado de família recomposta com filhos de relacionamento heterossexual anterior, adoção (legal ou não) ou o uso de tecnologias reprodutivas. A família homoparental é caracterizada pela ausência de papéis fixos entre os membros, pela inexistência de hierarquias e pela circulação das lideranças no grupo, pela presença de múltiplas formas de composição familiar e, conseqüentemente, de formação dos laços afetivos e sociais, o que possibilita distintas referências de autoridade, tanto dentro do grupo como no mundo externo (Passos, 2005).
Foto:Google Imagens |
Como aponta o Censo de 2010 (primeira edição do recenseamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a contabilizar essa população), há no Brasil mais de 60 mil casais homossexuais, ou seja; há um número considerável de famílias homoparentais e estas começam a ganhar visibilidade. Com relação à adoção, a atual jurisdição brasileira é omissa quanto à possibilidade de casais homossexuais adotarem. O Estatuto da criança e do adolescente não se posiciona com relação à adoção por homossexuais, e tampouco aparece a referência sexual como parâmetro para adoção. A legislação brasileira atual permite que casais homossexuais firmem união estável e o Supremo Tribunal Federal os reconhece como entidade familiar (Santos, 2011).
Pesquisas sobre a homoparentalidade e suas decorrências (Tarnovski, 2002; Uziel, 2002) vêm crescendo e apontam um momento de experimentação e construção de novas formas de ser e de relacionar-se, perpassando questões como vivência de papéis e funções.
Foto:Google Imagens |
Esse modelo que sustenta a lei dita simbólica, correspondente à lei natural da diferença sexual considerada por alguns autores fundamental para a estruturação do psiquismo, considerando a vivência da diferença entre homossexuais impossível.
Dor (apud Perelson, 2005) afirma que a presença do “pai” na família, como figura que representa a lei e tem função estruturante do psiquismo infantil, não pode ser reduzida a uma função simbólica. Ele argumenta a necessidade de um terceiro que exerça a mediação entre o desejo da mãe e do filho, e pontua que para garantir a função do pai há que existir a diferença sexual no casal parental.
Foto:Google Imagens |
Apesar de alguns psicanalistas manterem ressalvas com relação à falta da imagem de mãe/pai real na homoparentalidade, Perelson (2005) se utiliza dos termos “posição materna” e “posição paterna” para desvincular o sexo biológico dos pais de suas atuações no seio da família e contrapõe a visão determinista de alguns autores que afirmam ser a diferença sexual fundamental na triangulação da criança dentro de uma família, questionando a função paterna a partir da fragmentação e multiplicação de seus agentes (“não há mais o pai”). O pai e a mãe não precisam existir realmente, mas podem ser posições ou figuras imaginárias. Há que pensar a “sexuação” como o processo de construção de identidade psíquica-sexual, e por fim como alicerce da organização das funções dentro do espaço familiar. Na família homoparental essas funções não tem uma determinação biológica, mas subjetiva, e que dessa maneira cada sujeito constituiria um lugar junto à criança, marcando sua presença e exercendo uma função.
Apesar de questionamentos e temores, pesquisadores da área (Santos, 2004; Tarnovski, 2002) salientam que é a capacidade de cuidar e a qualidade do vínculo com os filhos o determinante da boa parentalidade e não a orientação sexual dos pais.
A homoparentalidade, assim como outras formas de constituir família, necessita uma ética que leve em conta suas demandas afetivas atendendo com justiça às transformações humanas. Esta ética deve estar assentada nas diferentes formas de conjugalidade, parentalidade e filiação que configuram um contexto familiar baseado nos laços de afeto (Passos, 2005), priorizando os vínculos psíquicos à questão biológica.
Considerações finais
Ressaltamos a importância do estabelecimento de uma relação produtiva entre a psicanálise e as novas formas de construção de gênero e parentalidade na cultura contemporânea (Arán, 2009), em que as diferenças, singularidades e alteridades ultrapassem os limites do simbólico[1] e da própria teoria psicanalítica, sendo cada indivíduo aceito em sua singularidade, para além das definições prescritas da heteronormatividade.
Para isso propomos deixar em aberto questionamentos que possam gerar novos estudos e pesquisas com o objetivo de compreender a vida psíquica daqueles que vivem fora do parentesco normativo. Na ausência da diferença sexual (anatômica) a criança encontrará outros organizadores de pensamento, como o da complementaridade de funções de cada membro do casal parental? (Smola, 2010) Como influem as representações parentais sobre os filhos? Qual é a fantasia de amor homossexual que a criança inconscientemente adota em famílias gays? Que narrativas culturais estão à sua disposição, e que interpretações particulares elas dão a essas condições? Como compreender que formas de diferenciação de gênero ocorrem para a criança quando a heterossexualidade não é a pressuposição do complexo de Édipo?
Diante dessas questões, conclui-se que faltam estudos de longo prazo que possam mostrar os efeitos da homoparentalidade na subjetividade dos filhos. O futuro dessas histórias de filiação, de constituição de psiquismo das crianças nessas novas famílias e sua evolução poderão ser observados com o desenrolar do tempo.
Como foi apresentado, a homoparentalidade questiona o modelo de complementaridade bipolar que sempre permeou a relação entre feminino e masculino e o complexo de Édipo como estruturante de identidades e subjetividades. Ela só poderá adquirir outro status, mais próximo da normalidade, se aceitarmos outra lógica como constituinte do ser humano, assentada na supremacia dos vínculos e funções, independentemente do sexo biológico de quem as exerça. Sendo assim, a ênfase na triangulação edípica recairá na estrutura de exclusão que a constitui e no lugar que cada um ocupa, bem como na transmissão decorrente dessa nova maneira de conceber o conceito. Na contemporaneidade, novos modelos de parentalidade devem ser revisitados e reinterpretados. Com base nesse pressuposto, propomos um diálogo com profissionais da área e estudiosos, no sentido de aprofundar a discussão psicanalítica acerca da homoparentalidade.
#FamíliaHomoparentabilidadeEEscola |