Jean Jacques: "Falta humildade e disciplina no basquetebol angolano"
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Entrevista a Jean Jacques da Conceição, basquetebolista africano de todos os tempos.
Jean-Jacques da Conceição / Foto: Angop |
Por SAPO Desporto c/Angop sapodesporto@sapo.pt
Comedido, até mesmo reservado e lacónico muitas vezes, com discurso marcadamente baseado na sua nova ocupação como religioso, mas simpático e correcto como foi ao longo da carreira, Jean Jacques abriu-se até onde se permitiu, numa conversa de cerca de uma hora, que visou abordar os 40 anos da independência nacional.
Angop: Quem é Jean Jacques?
Jean Jacques da Conceição - Jean Jacques é um cidadão angolano que,
pela graça de Deus, conseguiu ser aquele que qualquer homem almeja ser.
Isso foi bom para mim e para todos nós, para a nação angolana.
Angop: O que representa o desporto para a sua vida?
JJC – O desporto é algo que já nasceu com a minha família. Porque o meu falecido pai, nós ainda pequeninos, já tinha este cuidado de comprar uma bola para cada um de nós. Desde os 2/3 anos até atingirmos os 10/11 anos, cada um tinha direito a sua bola. Isso para que não houvesse confusão, porque havia sempre conflito. Nós somos rapazes, sabe que rapaz, cada um quer uma bola. Então o meu pai tinha esse cuidado de comprar uma bola para cada um. Então fomos crescendo, a gostar do desporto e a jogar à bola. Daí essa capacidade toda, porque o meu pai sabia que só jogando e treinando é que um filho teria um corpo são, saúde e também mentalmente seria uma pessoa equilibrada.
Angop: Vem de uma família de quantos irmãos?
JJC - Uauu! Nós somos uma família numerosa. Somos oito.
Angop: E todos se dedicaram ao desporto?
JJC – Nem todos. Pelo menos quatro não são. Os outros, todos são desportistas. Por quê? Após a separação dos meus pais, meu pai teve outra mulher e outros filhos. Estes não fizeram desporto. Mas todos da minha mãe fomos sempre desportistas. Éramos seis da mesma mãe, faleceram dois.
Angop: Por isso o futebol foi a primeira modalidade que praticou? A história de Jean Jacques diz que começou no futebol antes de ir para o basquetebol...
JJC – Porque o meu pai era um adepto, pode-se dizer quase fanático do
futebol. Porque o meu pai sempre pensou que um dos filhos pudesse jogar
futebol profissionalmente. E sempre deu esse tipo de incentivo aos
filhos. Mas por acaso eu comecei no futebol; aos 16 anos mudei do
futebol e fui para o basquete. De qualquer forma, eu jogava quase todas
as modalidades. Praticava atletismo, karaté, boxe, andebol, voleibol.
Angop: E porquê que ficou no basquete? Foi pela sua estatura física?
JJC – Fiquei no basquete porque aqui encontrei pessoas que conseguiram pôr-me num lugar onde eu pudesse estar alegre, satisfeito. Isso não quer dizer que as pessoas do futebol também não o faziam. Mas houve uma diferença muito especial em relação às outras modalidades. É que no basquete íamos jogar ao Futungo de Belas. Qualquer criança que fosse jogar ao Futungo, ahahah, era alegria! Então, jogando com o Presidente, ali pronto, incentivou-me muito mais, para que eu me dedicasse ao basquete. E por fim, ao encontrar o professor Victorino Cunha, que quase me levava ao colo como filho, então, ali decidi mesmo ficar no basquete.Angop: Este é o percurso do Jean Jacques até à chegada ao basquete. Fazendo uma fuga para frente - depois voltaremos a este ponto -, podemos falar da actualidade? Como chegou a Igreja a sua vida?
JJC – Isso são pontos indiscutíveis. Quando a pessoa tem o chamado ministerial, por mais que fuja, por mais que diga não, quando chega o tempo de Deus, não há resistência nenhuma que possa suportar. Porque Deus é soberano, Deus faz tudo que ele quer, como lhe apraz. Quando ele te chama, ou vens a bem, ou vens de outra maneira; e de outra maneira é dura. Eu preferi vir a bem, porque assim estou tranquilo, estou bem. Há muitos também que Deus vai chamar e virão a bem. Há outros que hão-de vir à dureza, porque nós na igreja vemos quase todo o tipo de chamada. Há pessoas que vêm só quando ficam doentes, há outras porque perderam todo o dinheiro que tinham, ficaram pobres, miseráveis, a família abandonou-os, e não têm outro sítio para ir, senão para a igreja; outros vêm porque ouvem mesmo a voz de Deus e vêm, porque acham que chegou o tempo. Depende da sensibilidade de cada um. Eu, graças a Deus, tive esta sensibilidade e achei que não tinha alternativa, não havia outro caminho, que não fosse a Deus.
Angop: De que forma é que a conversão mudou a sua vida?
JJC – Querendo ou não, a pessoa torna-se uma nova criatura. Quando isso acontece, começa por deixar de fazer o que fazia antes, porque o próprio Deus é que te começa a moldar, da maneira que Ele gosta. A pessoa começa a ter mais santidade, mais graça, mais paz, mais tranquilidade. Mais amor, capacidade de perdoar. Se não tem, começa a obtê-lo. Obtendo isso tudo, é que faz ser uma nova criatura. A nova criatura é a melhor fase do homem. A melhor vivência que um homem pode ter.
Angop: Para um jogador que já foi considerado o melhor de África parece interessante saber até que ponto tem utilizado esta nova missão para ajudar a sua grande paixão que terá sido o basquetebol. Tem feito preces para as equipas e selecções nacionais, por exemplo?
JJC – Obviamente que há atletas que temos ajudado. Há atletas que pensam que indo a um feiticeiro ou ir a um mágico será um grande jogador. O mágico não faz grandes jogadores, porque se o fizesse, ele faria dos próprios filhos grandes jogadores. O feiticeiro se o fizesse, os seus filhos seriam os melhores do mundo. Por quê que não são? Porque não são eles que fazem. Acima de tudo, há pessoas que geneticamente têm um certo talento, mas este talento tem de ser trabalhado. Só com trabalho, a pessoa pode atingir um certo nível. Obviamente, se estiveres com Deus, melhor, porque Deus é maior que todos eles. Mais que o feiticeiro ou mágico, Deus está acima de tudo. É melhor eu estar com Deus do que ir aos feiticeiros receber poder ou força para ser melhor jogador. Porquê que eles não são os melhores do mundo? Eu nunca fui a nenhum feiticeiro nem mágico e, graças a Deus, fui considerado melhor jogador de todos os tempos de África. Não foi preciso magia, isso quer dizer que Deus está acima de tudo.
Angop: Mas quando a selecção vai jogar o Jaques a inclui nas suas preces?
JJC – É bom ser claro. Há alguns jogadores que já foram a alguns sítios. Mas eles quando me encontram, falam comigo, eu mostro-lhes o melhor caminho, eles deixam aquele caminho, porque não é o verdadeiro caminho. Então eles passam a ser pessoas diferentes. Deixam aquele caminho e passam a trabalhar mais, porque o trabalho é que desenvolve as técnicas num jogador, não é a magia nem a feitiçaria.
Angop: Assinala-se este ano 40º aniversário da independência nacional. Então, entre as grandes personalidades que fizeram a história do país está indiscutivelmente Jean Jacques. A Angop gostaria de ouvir uma abordagem sua como cidadão. Como caracteriza os 40 anos da nação?
JJC – Na minha análise global do país nestes 40 anos, não é fácil de falar porque houve anos de muita dificuldade que tivemos. Lembro-me que nós, os jogadores, muitas vezes, comíamos farinha com leite para irmos treinar. Isto quer dizer que passámos dificuldades, como jogadores na alimentação. Por isso, nós nunca atingíamos mais de 80-90 kgs, Hoje, os atletas chegam aos 120-130 quilos. Isso quer dizer que faltava alimentos, que é a base da sustentabilidade de um atleta. Porque sem alimentos, o atleta não atinge nível nenhum.
E naquele tempo da guerra havia esta dificuldade, porque havia prioridade. E a prioridade na guerra é arma, depois é que é a comida. Nós passamos essa dificuldade. Com o calar das armas, obviamente, já temos jogadores hoje que posso considerar atleticamente bem preparados, fortes fisicamente e até mesmo exploram toda a sua capacidade morfológica de que são doptados.
Porque muitos de nós nunca atingimos a mais alta forma morfológica, porque faltava alimentos. Éramos mesmo magrinhos. Mas hoje já estou satisfeito porque vejo atletas de uma forma física fora de série, porque já há alimentos. Este é um dos pontos importantes. O melhor ponto que existe nestes 40 anos são os alimentos.
Hoje já podemos sair de um lado para outro, vemos a produção, há os próprios angolanos a cultivar; isto é bom porque com a guerra não podíamos cultivar. Cultivavas hoje, assim que ficasse maduro, vinha um outro qualquer, levava e não podias falar, não se sabia quem levava e pronto, ficavas sem os alimentos. Hoje já cultivas, já podes colher o cultivo, e vendê-lo e ganhar algum dinheiro para cultivar a posterior.
É isso que nos levou a parar a guerra e a juntarmo-nos, a unirmo-nos, porque a união faz a força. A separação não ajuda nada um país a desenvolver. Vimos por exemplo na União Europeia, juntaram-se e tornaram-se fortes. Nós também, se unirmos todas as línguas e etnias, Angola será forte. É este o trabalho que temos a fazer: tentar unir todos os angolanos para que possamos falar uma só língua, ter uma só produção, um só desenvolvimento. Assim que pensarmos neste sentido, Angola será muito mais forte do que está hoje.
No desporto, não podemos dizer que sempre éramos os melhores. Muitas vezes éramos a equipa mais fraca, mas graças a Deus, não sei por que motivo, ganhávamos sempre. Há um ponto em que as pessoas dizem que se deve a nossa organização.
Penso que não é apenas a nossa organização. Penso que Deus também queria dar alegria ao povo angolano. Lembro que na Tunísia, perdemos os dois primeiros jogos, com equipas mais fortes do que nós, depois os outros dois ganhámos e apurámo-nos. Depois chegamos às meias-finais e à final. Não éramos a equipa mais forte, mas ganhamos aquele campeonato; e as pessoas questionavam: Mas como é possível ganhar esse campeonato? Num dos jogos para passarmos à eliminatória, estávamos a perder por 16 pontos, a três minutos e 47 segundos do fim e mesmo assim ganhámos por um ou dois pontos do Baduna. É para recordar que Deus sempre esteve connosco, sempre nos ajudou. Por isso chegámos ao nível que chegámos.
Nestes 40 anos, passaram-se muitas coisas difíceis. Por exemplo, em termos de saúde, tínhamos dificuldade em encontrar medicamentos. Muitas vezes não tínhamos remédios para as feridas. Hoje já podemos ir a uma farmácia e escolher entre várias opções de medicamentos, antigamente, não.
Quando alguém tivesse uma ferida a recomendação era apenas: põe só ampicilina e tapa. E já era quando havia penicilina, quando não havia ficava assim, a ferida aberta, com moscas a pousarem, limpava-se só com água e sabão e andávamos assim. Hoje até podemos escolher a farmácia que queremos ir. Isso é graças aos 40 anos de independência.
Outro exemplo, para irmos a uma província jogar, não o podíamos fazr de carro, éramos obrigados a ir de avião. Quando não houvesse avião não havia jogo. Hoje não, hoje a qualquer hora podemos escolher, pegamos nos carros e vamos para a província e jogamos, não há problema nenhum. Estes são benefícios das estradas que obtivemos também durante estes anos de independência. Isto é bom, porque o nosso governo tem feito muitas coisas boas para que possamos viver em paz e segurança.
Angop: Neste contexto, fale-nos particularmente do desporto nos 40 anos de independência nacional...
JJC – Uaauu! Angola conquistou muitas vitórias. Para mim é difícil abordar. Costuma-se dizer que a maior democracia do mundo está no desporto; não está nos políticos, nem nos militares, mas sim no desporto. Por isso se faz a maior festa do mundo que são os Jogos Olímpicos. Vemos que o desporto em Angola é um incentivo muito grande para a juventude, para que ela possa sair da delinquência juvenil, que não é fácil de combater, mas o desporto pode atenuar, porque no desporto há educação, disciplina, há o respeito. E não há outro caminho a seguir senão, introduzir o desporto para os nossos jovens, para que eles possam receber educação e disciplina.
Eu penso que neste sentido não há muito que fugir, há que introduzir o desporto nas escolas e nos jovens. Se o fizermos, aí teremos jovens agraciados e abençoados, cheios de paz, jovens mentalmente equilibrados.
Angop: Quais as fragilidades que identifica no desporto angolano?
JJC – É o ponto que acabei de focar: a introdução do desporto na escola. Se conseguirmos introduzir na profundidade o desporto escolar, obviamente que o nosso desporto será muito mais forte, muito mais equilibrado, haverá muito mais praticantes, e quando há muito mais praticantes, obviamente que os frutos também são maiores e melhores.
Angop: Como vê a sociedade angolana de uma forma geral?
JJC – A sociedade angolana já tem crescido, tem mudado muito de mentalidade. A capacidade de análise já é muito maior do que há anos. Anos atrás, perguntava-se algo a alguém e muitas vezes não sabia. Hoje já não; perguntas algo sobre política, já consegue responder, sobre desporto ou sociedade em si, também. E responde com propriedade.
Quer dizer que estamos neste sentido a desenvolver e a abrir as mentes das pessoas, as mentes estão mais abrangentes em relação a outros tempos em que as pessoas só olhavam para um sentido.
Angop: Acredita que existe democracia em Angola?
JJC – Bom, se não houvesse democracia, não haveria, por exemplo, diversos jornais. Se há outro tipo de jornais, quer dizer que há democracia, há crítica. Onde há jornais que falam, por exemplo, que o governo é corrupto é democracia, senão no dia seguinte já tinha desaparecido.
Angop: Como cidadão, como vê a comunicação social angolana?
JJC – A visão já é outra. Já temos jornalistas que pesquisam bastante, que vão ao fundo. Parece que não está a fazer nada, mas está a analisar, tentar descobrir, colher e cruzar informações. Já temos jornalistas bastante maduros. Até alguns deles, nós até fugimos, mas vamos fugir até quando? Vamos ter que falar mesmo (risos).
Angop: Como vê Angola no futuro próximo?
JJC – Angola vai ser um exemplo para as nações africanas. Vai haver dificuldades sim, não digo que não, há dificuldade em toda a parte, mas haverá também desenvolvimento, isso de certeza absoluta haverá. Porque Angola não tem outro refúgio senão o desenvolvimento. Daqui a muito poucos anos, Angola será um exemplo para África.
Angop: Nos dias de hoje, qual a participação do cidadão Jean Jacques na vida desportiva?
JJC – Eu procuro participar da melhor maneira possível, porque a minha forma de análise do fenómeno desportivo pode não se coadunar com muita forma de pensamento dos outros. Isso não quer dizer que eu não seja uma pessoa associativa, não.
É o meu sentido de análise, porque eu não olho para o desporto feito hoje, tenho de o ver num ponto mais distante possível, uma capacidade de analisar daqui a 10/15 anos. Não olho para hoje, hoje, hoje. Porque quem olha só para a actualidade ou realidade presente, obviamente vai tropeçar muitas vezes, e quem olha distante não.
Não vou me enganar, porque eu sei que para desenvolver o desporto precisamos de alguns pontos importantes, que se precisa cumprir porque senão não chegamos lá.
Angop: Daí a pergunta: vêm aí as eleições para a Federação Angolana de Basquetebol no próximo ano. Vai candidatar-se para a presidência da federação?
JJC – Já falei uma vez e posso repetir: o meu tempo de ser presidente da federação já passou. Foram estes quatro anos. Porque eu tinha uma visão, um projecto para fazer para o basquetebol, porque sabia o que nós podíamos ser quatro ou cinco anos depois.
Hoje, já não vejo nada em ser presidente da federação, porque até mesmo o projecto que eu tinha na minha mente já estou a realizar, sem estar na federação. Eu acho que já não preciso de ir para a federação.
Angop: E qual é o projecto?
JJC – Bom, na minha visão de ver o desporto, não digo que não temos treinadores que possam formar atletas ou capacitá-los, estou a dizer que temos treinadores sim, mas nós não temos competição para darmos a esses atletas, para eles rapidamente atingirem os níveis competitivos, para poderem ser atletas daqui a quatro anos.
Nós não temos esta competição, porque na camada júnior não temos um campeonato que possa dar endurance aos nossos jovens. Os jovens precisam de jogar, precisam de muitos jogos e aqui o campeonato é débil.
Sendo débil, os jovens para quem se olhava com o fim de capacita-los daqui a quatro anos não têm essa possibilidade. Então, a solução era pegar esses jovens e introduzi-los nos EUA e ali iriam poder trabalhar com outros jovens iguais ou muito melhores do que eles e com outros treinadores também bons e iriam atingir uma maturidade o mais rapidamente possível, dentro de quatro anos. E estes jovens hoje, passados 2/3 anos, alguns deles já foram e outros brevemente também irão, e assim já não preciso mais de ser presidente da federação. Eu penso que já estou a fazer o meu trabalho para o bem da Nação.
Angop: Então daqui a algum tempo teremos angolanos na Liga Norte-Americana de Basquetebol Profissional (NBA), será?
JJC – Isso, de certeza absoluta, teremos. Porque para tal, tinham que ir jovens como estes que estão a ir.
Angop: E porquê que a supercampeã de África Angola não tem jogadores na NBA? Recentemente estiveram dois jogadores a tentar e tudo indicava que quase estavam lá, mas falharam. O que se passa?
JJC – Primeiro ponto: para entrar na NBA as pessoas têm que ter um lobby, se não tiver um lobby nunca vais entrar. Podes ser até um bom jogador e o teu concorrente ser inferior, mas a preferência recairá para o outro porque tem lobby, tem as coisas bem marcadas, bem preparadas, bem divididas.
Isso é como o negócio. Você pode ser um bom negociante e eu um negociante razoável, mas se eu tiver o melhor lobby vou ganhar. Você até pode ser o maior produtor, mas vai perder porque tenho melhor lobby. Isso é lobby!
Angop: Então os angolanos não têm lobbies, é o que falta? E em face disso, quanto tempo prevê que o primeiro angolano chegue à NBA?
JJC – Nós temos lobbies. E dentro de poucos anos vamos ter alguns, não um, mas alguns jogadores na NBA.
Angop: Pode apontar alguns atletas com potencial para tal?
JJC – Quando estiverem lá (risos)… É só verem nos nove ou dez miúdos que vão para os EUA e perceberão logo o potencial. Por exemplo, eu posso falar, o Bruno e o Sílvio, praticamente, se eles continuarem a trabalhar como até agora, já estão na NBA.
Angop: Nos últimos anos, Angola tem tido triunfos intermitentes no Afrobasket, quando no passado somou vitórias seguidas. Que leitura faz disso, os outros estão a melhorar ou Angola está a decrescer?
JJC – Na minha forma de ver as coisas, os outros estão a jogar aquilo que sempre jogaram, nós é que regredimos. Nós é que deixamos de trabalhar. Deixamos aquilo que tínhamos e que era o nosso foco principal: um por todos, todos por um. Deixamos de ter isso. Nós é que perdemos.
Angop: Porquê que ocorre isso?
JJC – Falta de humildade. Eu vou simplificar o mais possível. Falta-nos humildade e falta-nos disciplina. Enquanto não formos humildes em reconhecer que os outros também trabalham, não chegaremos lá; se não formos disciplinados, disciplinados em todos os sentidos. Quando se fala em disciplina, não é só fora do campo, mas dentro e fora. Há que ter uma vida disciplinada, se formos disciplinados não haverá país que tenha a capacidade técnica que nós temos. E nós agora estamos a ter também jovens grandes, com potência física fora do normal, obviamente que vamos ser muito mais fortes do que já fomos.
Angop: Acredita que depois de termos perdido este, no próximo Afrobasket há condições para recuperar o título?
JJC – Daqui a dois anos, eu penso que vamos ter equipa para conquistar o campeonato.
Angop: Deve ter ideia que o seu pronunciamento é muito importante, porque é muito seguido, pela figura que representa na modalidade. Quando fala em disciplina, pode ser mais específico, o que se está a passar, o que está errado na disciplina, pode dar mais detalhes?
JJC – O primeiro ponto é da disciplina fora do campo. Quando os jogadores é que definem quem é o treinador, com quem querem trabalhar, obviamente que já não há disciplina. Um jogador não define o treinador, quem define é a direcção, que faz a escolha do treinador. Se o jogador diz que não quer aquele treinador, senão não vai. Não vai, não quer trabalhar, rua!
Angop: Isso está a passar-se agora na selecção nacional?
JJC – Há esta indisciplina, houve essa indisciplina de jogadores escolherem o treinador. Direito de escolha o treinador. A disciplina começa logo ali. Se eu dirijo, eu defino quem é o treinador, o atleta vem, treina e joga. Senão, se o atleta é que escolhe o treinador, então o atleta é que manda. Aí, logo, a indisciplina começa. Outro ponto, dentro do campo. Um atleta não pode fazer tudo que quer, não. Se és líder, então te assuma como líder e aí, sim senhor, podes ser autoridade dentro do campo. Mas como ninguém se assume como líder, deve-se obedecer às ordens do treinador. E muitas vezes não se obedece.
Angop: Falta liderança também dentro do campo?
JJC – Falta liderança. Nós, os jogadores, às vezes, criticamos os treinadores e os dirigentes, mas esquecemos de também fazer a nossa parte, que é a disciplina dentro do campo.
Angop: Esta é a razão porque o basquete angolano não consegue ultimamente manter o equilíbrio nas conquistas em África?
JJC – Sim, falta de disciplina e de humildade. As duas coisas.
Angop: A sua vivência em campeonatos europeus, deixou-lhe grandes registos…
JJC – Muita maturidade competitiva. A pessoa ganha maturidade competitiva. A competição em França não tem nada a ver com a de Portugal. É outro tipo de competição, ali é outro nível, quase da NBA, porque qualquer equipa tem 2 a 4 elementos da NBA. Às vezes até cinco ou seis.
Angop: Porquê que os jogadores angolanos, já que não conseguem entrar para a NBA, não vão para a Europa? Para si foi benéfico. Por quê que outros não vão? Agora já nem para Portugal... Qual é a sua visão deste quadro?
JJC – Bom, eu penso que muitos deles têm medo.
Angop: Medo de quê?
JJC – Muitos deles não vão porque têm medo de encarar outra realidade, outras exigências profissionais que há lá. É que aqui, muitos deles não têm essas exigências profissionais.
Angop: O Jean Jacques, que esteve lá, acha que há motivos para temerem, o que lhes espera? Pode dar exemplos das exigências a que se refere?
JJC – Um: ali tens que trabalhar a sério. Para entrares no campo, tens de trabalhar a sério, não podes chegar e dizer que morreu meu tio, o avó, o primo, não, não, não. Morreu, mas vais trabalhar. Nós aqui alegamos não ter água para não treinar, ali não. Ali é trabalho, trabalho, duro, duro, todos os dias.
Por exemplo, eu estive numa equipa em que, às vezes, chegávamos a fazer quatro jogos por semana e com viagens. Se tu não tiveres trabalhado na pré-epoca, não guardaste reservas, não te aguentas. Chegas ao meio parteste-te todo, ou rebenta o tendão de Aquiles ou ligamentos cruzados, ou a coluna, ou qualquer coisa. Porquê? Porque não estás preparado para suportar as sobrecargas competitivas. Então muitos de nós que estamos aqui não vamos porque não queremos trabalhar duro.
Alguns têm capacidade de poder jogar lá. Não estou a dizer que não tenham, não. Têm capacidade de jogar na Europa, só que eles têm em conta que cá treina quando quer, lá será obrigado a treinar. E até para alguns deles, a compensação monetária pode ser igual ou, às vezes, até é inferior, mas têm medo da competição.
Angop: Diz-se que o salário é uma das razões que os desencoraja, pois em Angola a compensação financeira é superior...
JJC – Não só. Se fores mesmo bom, lá fora também te pagam bem. Mas agora, pagam-te bem, mas vais ter de trabalhar beme a sério e duro.
Angop: E o nível competitivo do nosso basquete como está hoje?
JJC – Hoje eu posso dizer que já baixou bastante. Hoje, com o ritmo que estão a jogar, eu mesmo com 50 anos posso jogar. A comparar com 6/7 anos atrás, o ritmo que se joga hoje, se há sete anos estava 80-90 porcento, hoje se joga a 60 porcento. Os jogadores andam dentro do campo.
Angop: Pela experiência que tem, por que razão se passa isso?
JJC – Uma das coisas é a facilidade que se deu aos jogadores hoje, que não lhes leva a trabalhar muito. O relaxamento. Um jogador pode jogar só dois meses, está tranquilo e recebe o que está no contrato. Não há exigência nos jogadores. Enquanto não houver exigência nos jogadores, eles não vão trabalhar. Agora, se jogar por objectivos, ah, sim senhor. Aí ele vai perceber que sendo por objectivo é obrigado a trabalhar, senão não atinge o nível necessário. Não estou a dizer que os clubes não fazem bem em pagar os nossos jogadores; fazem bem, sim senhor, devem pagar porque eles são artistas. Mas artista tem de receber daquilo que produz e não aquilo que a fantasia produz.
Angop: Internamente, quando acha que teremos mais um Jean Jacques?
JJC – Nós temos oportunidade nestes dez miúdos que vão aos EUA de poderem trabalhar nas melhores escolas americanas. Destes sairão alguns com alguma qualidade, mesmo melhores do que eu. Eu acredito, porque estão numa boa escola e vão ser jogadores fora do normal.
Angop: Na sua folha de serviço registam-se momentos altos como Barcelona92, onde as estatísticas mostram que Jacques foi quase sempre o melhor marcador, ressaltador e até assistente da selecção nacional. Mas terá outros momentos altos da sua carreira. Quais são?
JJC – Eu penso que aqui em Angola amaioria das pessoas não me viu jogar. A fazer mesmo aqueles jogos espectaculares. Em 1999 viram mais ou menos, no Afrobasket, mas os grandes jogos que fiz, a maioria foram na Europa. Por isso é que me colocaram no Hall da Fama, porque viam os jogos e ninguém acreditava que eu era angolano, ninguém acreditava que eu aprendi a jogar em Angola, e que eu pudesse ser um africano. Diziam, não é possível, esse é americano escondido, mudou de nacionalidade.
Angop: E como o Jean Jacques respondia a isso?
JJC – Eu só ria. O meu ponto importante era este: eu não falo quase nada em inglês, apenas sei cumprimentar. E eles replicavam, dizendo que falava sim. Aí percebiam que era mesmo angolano.
Angop: Até hoje se fala da grande vitória de 20 pontos sobre a Espanha e a estreia dos jogadores da NBA. O Jacques esteve presente e viveu este momento. Isso também é parte da história dos 40 anos de Angola independente...
JJC – A Espanha tinha chegado quase à final antes dos JO, logo em seguida ser batida por uma equipa africana foi um escândalo para Espanha. Vê-se logo, pois o treinador foi afastado, a direcção também saiu; e em seguida o treinador infelizmente faleceu.
Tenho muita pena porque ele era um dos grandes treinadores espanhóis, Dias Miguel, um dos grandes mentores do desenvolvimento do basquetebol espanhol. Mas desporto é assim. E a Espanha, a partir dali, nunca mais foi a mesma. Hoje é campeã da Europa, já foi campeã do mundo. Isso quer dizer que nós também, se trabalharmos, podemos também chegar a um dos pódios do mundo.
Angop: Como foi que viveu aquele jogo de estreia de jogadores da NBA logo com Angola?
JJC - Angola foi a primeira equipa a defrontar as ‘estrelas’ do Dream Team I. Quando chegámos, a Espanha olhava para nós como se fóssemos qualquer equipa. Como uma equipa que não merecia estar ali nos Jogos Olímpicos. Quando sofremos aquela derrota na estreia, todos riam-se de nós, diziam que essa equipa não valia nada.
Mas logo de seguida, a outra equipa também apanhou uma pesada derrota. Aí perceberam que afinal não era só Angola. Estávamos diante da melhor equipa do mundo, uma equipa mesmo de sonho; mostraram a qualidade do basquetebol, que eles têm, que são os melhores do mundo.
Angop: Por falar em sonho, qual é o grande sonho do Jean Jacques?
JJC - O meu maior sonho é ver Angola no pódio do campeonato do mundo ou dos jogos olímpicos. Este é o meu sonho. Penso que pode ser concretizado este sonho.
Se nós formarmos bem os nossos atletas, alguns deles, podemos. Porque não? Daqui a quatro/cinco anos, estarmos no pódio de um campeonato do mundo ou jogos olímpicos é possível. Quem põe muitos jovens treinando nos EUA, capacitando-os, pode.
Angop: Há uma curiosidade dos seus anos de prática. Começou a jogar em 1982, quantas tabelas quebrou?
JJC – Foram quatro no total. No campo do Interclube, no Benfica, em Moçambique e outra na Europa.
Angop: Qual o cinco ideal dos 40 anos do basquetebol angolano?
JJC – É complicado. Só podia fazer 10, cinco é muito difícil.
Angop: Sim, de acordo, podem ser os 10, mesmo porque será uma equipa completa com suplentes...
JJC – (Silêncio! Foi a resposta que mais tempo levou para ser dada) Paulo Macedo… outro base…(pausa, longa!). Está complicado porque tem dois bases e os dois eram bons: o Victor de Almeida e Lapa. Os extremos eram Necas, Assis, Zé Carlos Guimarães, Victor Carvalho, Aníbal, Gustavo Conceição e Baduna. Depois António Guimarães, falecido Didi, eu, Ângelo.
Angop: Há uma curiosidade. O Jean Jacques tem um filho que joga basquete. Mas tal como o filho do Pelé, não joga na posição em que o pai actuava. O filho do Pelé é guarda-redes e o seu filho joga na posição 1 e 2, quando o pai era um 4-5...
JJC – Ele é base (1 e 2) já acabou o curso nos EUA e está agora a jogar em Portugal.
Angop: Apesar de não jogar na mesma posição, não se podeter um Jean Jacques pela genética?
JJC – Eu não posso falar do meu filho. Se o fizer, obviamente que vou falar que o meu filho é o melhor (risos) e vai ser mesmo o melhor na posição dele. Mesmo as pessoas não querendo, ele será (risos)...
Angop: Como é que o pai o ajuda nisso, ele recebe muitos conselhos do pai?
JJC – Obviamente!
Angop: Pergunta muitas coisas?
JJC – Ele é sábio. Muito sábio. Por isso ele disse oh Pai!Eu primeiro vou-me formar, depois é que vou jogar e depois de seis anos, deixarei de jogar.
Angop: Porquê?
JJC – Porque tem uma outra visão da vida. Ele tem uma visão ampla de ver a vida.
Angop: Mas que conselhos é que o pai lhe passa ou ele pede? Porque um filho de um grande jogador que foi Jean Jacques tem obrigação de honrar esse nome...
JJC – Ele querendo ou não, será um grande jogador, porque ele recebe a unção do pai. A mesma unção do pai, ele recebe. (risos) Querendo ou não.
Angop: Qual o ídolo desportivo de Jean Jacques?
JJC – Ah! Não tenho ídolo, o meu ídolo é Jesus Cristo. Jogador que eu admiro mesmo é o Messi. Porque além de ser um grande jogador, é um jogador disciplinado, correcto, a forma de ser dele é que me faz admirá-lo.
Angop: Qual o seu passatempo favorito? O que faz como passatempo?
JJC – Eu não tenho passatempo. Eu não tenho tempo livre. O meu tempo é todo cronometrado. É sempre na corrida. Eu dificilmente tenho tempo livre. Porque tenho sempre muitas coisas por fazer. Costumo dizer que o meu tempo livre vai ser no dia que eu for para o caixão. Aí sim, terei. Enquanto em vida, não.
Angop: Dedica-se ao desporto, quando está a trabalhar na igreja…
JJC – Estou sempre ocupado. É como se diz, um avião parado é perda de dinheiro, tem de estar sempre a voar. É como eu, estou sempre a voar.
Angop: E momentos de relaxe?
JJC – Manutenção. Momentos de manutenção é uma coisa, mas momentos de relaxe, não há.
Angop: Quanto tempo dedica agora ao basquete?
JJC – Aos sábados, e de vez em quando a meio da semana à noite.
Angop: Qual o prato favorito e a bebida?
JJC – (Risos) ai, ai! Feijão. Gosto muito de massa com feijão.
Angop: Assim se fez o grande jogador? Todos hão-de quer comer também…
JJC – Até hoje, é bom. É importante porque tem carbohidratos, tem ferro. Porque atleta precisa de muito ferro e carbohidrato. É importante e proteínas. A bebida é sumo de ananás.
Angop: Se não fosse basquetebolista, o que seria?
JJC – O que eu sempre gostaria de ser era médico.
Angop: O que faltou para concretizar este desejo, não teve queda?
JJC – Não é porque não tive queda. Tive sempre essa sensibilidade da medicina, porque eu tinha muita curiosidade sobre a medicina. Mesmo quando estava no INEF tinha curiosidade sobre a medicina, mas acabei por não ser porque assim Deus não quis. Mas Ele me fez uma outra graça: colocou-me numa área espiritual, que é da cura e libertação. E estou na mesma como um médico, um médico espiritual. E continuo a ser médico (risos).
Angop: E a cidade de sonho?
JJC – Eu costumo dizer que Luanda será uma metrópole, uma cidade cheia de prédios, como Singapura. Aí é que será a minha cidade de sonho quando estiver concluída.
Angop: O que mais detesta?
JJC – Ignorância, arrogância, prepotência.
Angop: Defeitos e virtudes?
JJC – Os meus defeitos só os outros podem contar, eu não posso. A minha mulher é que pode contar, porque ela é que sabe dos meus defeitos; ou os meus amigos. As virtudes, eu gosto de ajudar os outros, gosto de estar no centro de ajuda de desenvolvimento dos meus amigos.
Angop: Que comentários gostaria de fazer sobre os seguintes nomes: Victorino Cunha, 1º de Agosto, Benfica de Lisboa.
JJC – Aí foste buscar o meu berço. Vou começar pelo Benfica. Benfica é o berço no sentido profissional. Porque jogar aqui era uma coisa, e numa equipa profissional era outra. A visão e amplitude da análise da equipa é totalmente diferente. Ali é ganhar, ganhar, ganhar. Como, não interessa. Nem que tenhas de treinar seis ou oito horas por dia para ganhar o campeonato. E os adeptos quando começam a gritar, nem o apito do árbitro se consegue ouvir. Isto é o Benfica. Ensinou-me a ser um atleta profissional. Capacitei-me no Benfica e aprendi a ser um profissional lá. O 1º de Agosto é a equipa que me recebeu muito jovem ainda, que ainda nem sabia bater uma bola de basquete, nem correr com as sapatilhas. Ensinou-me a correr com as sapatilhas e a bater uma bola de basquete e a lançar para o cesto. O 1º de Agosto é a base daquilo que eu sou hoje. O Victorino. Como sabem, o meu pai faleceu muito cedo, eu ainda jovem, na flor da idade. E Victorino ocupou aquele lugar de um pai que eu precisava no momento. Não há outro nome que eu possa dizer mais. Victorino ocupou esse lugar em todos os sentidos. Sentido de pai.
Angop: Se pudesse voltar atrás, o que gostaria de fazer diferente, neste seu percurso rico?
JJC – Nada. Não tenho nada para corrigir do que se passou. Eu penso que o que passou foi porque Deus permitiu que fosse assim. Não, não vejo nada que teria que corrigir. Não me arrependo de nada do que não consegui fazer, nem daquilo que não fiz. Eu estou satisfeito com aquilo que passou no meu percurso de vida.
Angop: E o Hall da Fama, qual o espaço que ocupa na sua vida. Como descreve este momento da sua carreira de jogador?
JJC – Aquilo é uma recompensa daquilo que a pessoa fez. É o reconhecimento. Eu só tenho que agradecer pelo reconhecimento e procuro devolver este reconhecimento da melhor forma possível, dando alegria às pessoas, ajudando os mais jovens, mostrando os melhores caminhos para os mais jovens seguirem.
Angop: A próxima questão é mesmo sobre o reconhecimento. O que é que o basquete deu ao Jean Jacques e o que é que o Jacques deu ao basquete? Sente-se realizado?
JJC – Não. Eu vou responder-te como devo responder. Eu vou continuar a dar ao basquete até morrer. Isto é como um militar. Desde que fazes recruta e te tornas militar, é até à morte. Querendo ou não, és sempre militar, nunca vai esquecer como tocar no gatilho. É como andar de bicicleta. Comigo também é assim, aprendi a jogar, aprendi a gostar do basquete, vou gostar do basquete até à minha morte. Vou fazer sempre coisas maravilhosas em prol do basquete. Eu não faço só porque o basquete vai-me retribuir, ou dar alguma coisa. Eu não espero nada em troca daquilo que faço, não. Porque se esperasse em troca, quando vim para a federação, quando me ofereceram um contrato chorudo, devia ter aceitado um contrato chorudo, mas neguei.
Angop: Quem lhe ofereceu o contrato chorudo e quanto era?
JJC – Não vale a pena falar, porque também não vamos tocar nos clubes.
Angop: Havia uma equipa angolana que queria contratá-lo…
JJC – Havia uma, duas, sim. Mas eu neguei, preferi ficar na federação como vice-presidente. Isso quer dizer que eu faço aquilo que gosto e não espero a retribuição. Agora, se as pessoas têm que reconhecer, elas é que sabem. Isso já não é problema meu. Eu estou a fazer a minha parte e vou continuar a fazê-lo da melhor forma possível. Por isso estou a ajudar os jovens a irem para os EUA. Estou a ajuda-los. O que me estão a dar? Não estou à espera de nada, também. Mas vou fazer porque eu quero ver um dia Angola no pódio num campeonato do mundo, em Jogos olímpicos. Para mim é a maior satisfação. Aí iria derreter-me todo na bancada vendo Angola num pódio.
Angop: Agora que falou da questão dos jovens, gostaríamos que contasse em que consiste esta ajuda que está a dar?
JJC – Primeiro, eles lá recebem a escolaridade, um treinamento, capacitação. Recebem tudo que é de bom nas melhores escolas dos EUA.
Angop: Mas o Jean Jacques intervém em quê neste processo? Qual a sua participação concreta. Encaminha-os para lá, sugere escolas…
JJC – Não, eles só estão numa escola. Na melhor escola americana actualmente.
Angop: E o Jean Jacques suporta financeiramente a estada deles lá?
JJC – Eu não lhes pago. Eu tenho relacionamento com esta escola. Praticamente, com esta escola tenho já uma amizade há algum tempo. Então procuro encaminhá-los para lá. Mas eles já ofereceram uma abertura de um contrato e há mesmo pessoas que já se ofereceram para pagar algumas bolsas a atletas. Obviamente se isso se concretizar, vamos ter muitos atletas lá nessa escola e dali tenho a certeza absoluta que vão sair bons jogadores.
Angop: Uma palavra pela efeméride de Angola 40 anos. Uma data marcante para um país.
JJC – O dia da independência foi dos dias mais importantes que Angola teve. Eu nasci em Kinshasa, se não houvesse a independência eu não estaria aqui. Mas como houve, o pai disse ‘arrumem tudo, já houve independência, vamos embora’.
Angop: Como viveu o dia da independência, quando foi que ouviu falar?
JJC – Todos nós demos conta da independência, porque na altura, houve o regresso da Upa/Fnla para Kinshasa. Enquanto a Upa voltava, o meu pai disse: ‘vamos’. Naquele dia interroguei-me ‘O quê? Não, não vamos nada. Estes estão a voltar e nós vamos?’. Mas o meu pai disse que era esta independência que estava à espera há muitos anos. Todos nós choramos, entramos no carro a chorar.
Angop: No dia 11 de Novembro?
JJC – Não, não. Nós entramos dias depois da independência. Quando entramos ainda havia guerra. Viemos por terra. Os outros diziam que éramos loucos por estarmos a viajar assim. Mas o meu pai sabia que o Mpla é que tinha assumido o poder, então disse ‘o Mpla é nosso, vamos’. Enquanto os outros estavam a voltar, nós estávamos a entrar. O meu pai já era do Mpla há muitos anos. E nós só descobrimos quando ele faleceu, porque vimos a documentação dele. É engraçado. (risos)
Angop: Se tivesse que dirigir uma mensagem para alguém, qual seria e para quem?
JJC – A mensagem é mais para os nossos jovens. Devem saber que eles são o futuro do país. Eles é que devem começar a trabalhar para que possam ter um futuro risonho. Porque todos nós vamos ser velhos um dia. Não há ninguém que não atingirá a velhice, ninguém pensa que vai continuar a ser sempre jovem. Tudo passa, é como a erva do campo, nasce, cresce, seca e vai. E vamos passar. E para que passemos bem, na paz e na tranquilidade, devemos trabalhar enquanto temos vigor. Trabalhemos para que na velhice possamos ter uma velhice de paz e tranquilidade.